domingo, 29 de janeiro de 2012

Pinheirinho: um certo retrato do Brasil

Na madrugada do dia 22 de janeiro de 2012, o velho, o passado, o atrasado, mostrou sua atualidade: a Polícia Militar de São Paulo removeu à força, com cenas explícitas de violência, cerca de 6000 pessoas que viviam no Pinheirinho, uma ocupação localizada em São José dos Campos, um dos mais ricos municípios do país, sede de empresas como Embraer e muitas outras. O terreno, de 1,3 milhão de metros quadrados, pertencia à massa falida do grupo liderado pelo especulador Naji Nahas. Os moradores haviam ocupado a área em 2004. A reintegração de posse, em defesa da propriedade, cujos titulares devem milhões em impostos municipais, estaduais e federais, tem sido questionada inclusive juridicamente. A propriedade privada não é um direito único e absoluto, inclusive pela constituição brasileira, que garante o direito à moradia, etc. De qualquer maneira, uma eventual desapropriação, mediante indenização, perfeitamente legítima nessas circunstâncias, garantiria os direitos dos proprietários sem esfacelar a vida de uma comunidade.
Além da reintegração de posse, soou estranho o fato de que tratores começassem a destruição das casas no exato momento em que as pessoas estavam sendo arrancadas do local. Para quem conhece a histórica morosidade do Estado brasileiro, não deixa de chamar atenção a incrível rapidez em destruir o bairro, onde moravam 1500 famílias, havia igrejas, pequenas casas comerciais e toda uma vida comunitária. Parecia que os promotores da desocupação temiam algum arranjo de última hora que evitasse aquele desfecho.
Segundo o parecer da relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, a urbanista Raquel Rolnik, professora da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em entrevista à Folha de S. Paulo: “nenhuma remoção pode ser feita sem que a comunidade tenha sido informada e tenha participado de todo o processo de definição do dia da hora e da maneira como isso vai ser feito e do destino de cada uma das famílias” (Folha, 27/01/2012).
Se o ato da desocupação foi, em si mesmo, uma violência protagonizada pela Justiça e a Polícia Militar de São Paulo, absurdo maior foi o poder público ter deixado que a situação chegasse àquele ponto. A prefeitura de São José dos Campos ou o governo do estado de São Paulo poderiam ter pedido a indenização da área. (Só as dívidas em impostos cobririam parte dos custos financeiros da indenização). Não o fizeram por que não tinham intenção de resolver a questão em favor dos moradores ou tinham intenção de resolver o problema em benefício da especulação imobiliária ou dos interesses do especulador, falido, Naji Nahas.  O direito à propriedade é uma garantia constitucional, mas a Constituição também garante que a “propriedade atenderá a função social”. O Professor de Teoria Política e Direito da Unesp, Marco Aurélio Nogueira, n’O Estado de S. Paulo, pergunta: “Por que beneficiar proprietários em detrimentos de moradores pobres? Não seria por um desejo não revelado de especulação imobiliária, por acertos espúrios entre alguns ‘anéis burocráticos’? Por que nada se fez pelo Pinheirinho no correr dos últimos anos, tempo em que os gestores públicos assistiram impassíveis à consolidação do bairro? Uma nódoa manchou os governos estadual e municipal, e o PSDB, por implicação” (O Estado de S. Paulo 28/01/2012) 
Tanto o prefeito de São José dos Campos, José Eduardo Cury, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (ambos do PSDB), vêm sendo duramente criticados nas redes sociais por ativistas dos direitos humanos, por intelectuais de diferentes posições políticas e, inclusive, pela presidente da República, Dilma Rousseff, que qualificou a desocupação de “barbárie”. Não se trata de partidarizar a questão, mas de politizar a cidadania, como bem nota Raquel Rolnik: A questão fundiária do Brasil é politizada integralmente. Não só nesse caso. (...) Não tem processo decisório sobre a terra no Brasil que não esteja atravessado por questões econômicas e políticas. Independentemente disso, atender plenamente aos direitos dos cidadãos tem que ser cobrado por nós, cidadãos brasileiros. Não quero saber se o PT, o PSDB, o PSTU estão querendo tirar dividendos disso. Como cidadã, isso não interessa. O que interessa é que o cidadão, as pessoas têm que ser tratadas como Cidadãos, independentemente da sua renda, independente se são ocupantes formais ou informais da terra que ocupam, independentemente da sua condição de idade, gênero” (Folha de S. Paulo, 27/01/2012).
É desapontador que ainda hoje, em plena democracia, expressivos setores do poder político  e da opinião pública, justamente entre os que mais eloquentemente se arvoram modernos  não consigam assumir os direitos dos mais pobres como legítimos, colocando-se violentamente a favor da propriedade, como um valor absoluto, a revelia de outros preceitos constitucionais, de outras concepções de Estado e sociedade. É a persistência do liberalismo oligárquico da República Velha, cujo DNA patrício parece não desencarnar de um pedaço do país.
Todas as grandes democracias do mundo, em algum momento de sua história, alargaram o acesso a propriedade, mesmo os Estados Unidos. Por que o Brasil não pode democratizar o acesso a esse direito? A área onde ficava o antigo bairro de Pinheirinho deveria ter sido desapropriada, nos marcos das leis em vigor, os lotes deveriam ter sido legalizados, mediante pagamento em prestações de longo prazo, de maneira que os moradores pudessem pagá-las. Além da regularização fundiária, o poder público deveria ter urbanizado a área, com ruas pavimentadas, iluminação pública, água encanada, coleta de esgoto, posto de saúde e escola na redondeza. Pequena realização desse porte estava perfeitamente ao alcance do poder público, ainda mais em um dos mais ricos municípios do mais rico estado do país[1][1].
Não foi isso que aconteceu. O governo federal pecou, talvez, por omissão e demora. Mas a sessão paulista da Justiça, o estado de São Paulo e a prefeitura de São José dos Campos, pecaram por opção preferencial pelo stutos quo, ao ficar violenta e ostensivamente ao lado dos interesses de Naji Nahas e ou da especulação imobiliária.


[1] Observe o leitor a moderação quase legalista desta óbvia saída. Lamentavelmente as lideranças de São Paulo estão aquém do conservadorismo civilizado, tal o grau do reacionarismo vigente.

Um comentário:

  1. Agradeço à empresa de empréstimos Elegant por me ajudar a garantir um empréstimo de US $ 1.000.000,00 para estabelecer meu supermercado Foodstuff em diferentes lugares. Há quatro anos que procuro ajuda financeira. Mas agora, estou completamente estressado, livre de toda a ajuda do agente de crédito Sr. Russ Harry. Portanto, aconselho qualquer pessoa que busque fundos para melhorar seu negócio a entrar em contato com esta grande empresa para obter ajuda, e ela é real e testada. Você pode contatá-los por meio de - E-mail --Elegantloanfirm@Hotmail.com- ou Whats-app +393511617486.

    ResponderExcluir