terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Corrupção, política e imprensa

Alberto Luiz Schneider

A reunião dessas três palavras – corrupção, política e imprensa – é, por si só, explosiva, pois implica em poder: poder do Estado, poder privado, poder da palavra.  E poder, além de outras coisas, implica em dinheiro. Razões suficientes para tornar o tema carregado de sentimentos e ressentimentos, ideologias e contra-ideologias, preferências políticas e políticas de preferência. Além disso, o tema ainda traz consigo ideias prontas (“todo político é ladrão”, “sempre foi assim”, “no Brasil tudo acaba em pizza” etc.) e forte teor emocional, vide a violência verbal da qual FHC e Lula foram e são alvos.
Ainda assim, quem pode negar que essas três palavras estão no epicentro da disputa política? Isso mesmo leitor: falar de corrupção não é apenas falar de ética, falar de imprensa não é apenas falar em liberdade. Estamos falando de disputa política.
O PT, quando oposição, regozijava-se em criticar os partidos tradicionais, especialmente os de direita. Vendia a ilusão de que o grande problema nacional era a corrupção, o que sempre foi um cacoete do populismo conservador, vide a UDN e Jânio Quadros, no passado. Claro que o partido dizia uma série de outras coisas, entre elas, a defesa de maior justiça social. E por cumprir essa parte do programa, reduzindo a pobreza e a desigualdade, foi reconduzido ao poder pelos eleitores, contrariando a preferência explícita da mídia.
A oposição, nomeadamente o PSDB e o DEM, que foram governo com Fernando Henrique e oposição a Lula e agora a Dilma, assumiram o mesmo papel anteriormente desempenhado pelo PT, ao menos nesse quesito. Versar sobre a corrupção (dos outros) foi e é um tema popular. Trata-se, porém (antes, como agora), de uma agenda paupérrima, no melhor estilo lacerdista. O país precisa discutir política econômica (os juros, a indústria, o câmbio, a inovação); política energética e ambiental; educação, ciência e tecnologia; a saúde pública; a ainda chocante desigualdade social, entre outros assuntos tão prementes quanto. O país precisa reformar o sistema tributário (reduzindo os impostos que incidem sobre o consumo popular e a produção e aumentando os impostos sobre a propriedade, a especulação financeira e o consumo de luxo), o que se relaciona com a lógica da desigualdade; o país precisa reformar a Justiça, tornando-a mais célere e mais justa; precisa viabilizar a infraestrutura física, conciliando-a com as questões ambientais; e um longo etc. O efeito mais deletério da corrupção nem é o dinheiro desviado (que é, sim, um problema grave), mas o fato de essa agenda colonizar o grande debate público.
Mas por que a corrupção é, de longe, o tema mais debatido? Não é em função do interesse público, pois se assim o fosse, dever-se-ia debater a política de juros, que desde FHC estão entre os mais altos do mundo, drenando fortunas dos cofres públicos para os bancos e a “turma da bufunfa” (a expressão é do economista Paulo Nogueira Batista Jr). Além disso, falar em educação e saúde pública, em política econômica também é do interesse público, evidentemente. Mas por que se fala tanto em corrupção, afinal? Por que é um tema fácil, pois qualquer um entende o significado de uma pilha de dinheiro na cueca ou na bolsa. É muito mais fácil e mais popular do que falar de temas complexos, que envolvem dados de difícil decodificação e sistemas interpretativos, geralmente atravessados pela lógica não-dita de interesses (legítimos ou não). Falar tão somente de corrupção serve também para os setores privados colocarem o Estado na defensiva, preservando seus interesses concretos. (É por isso que o mercado financeiro e seus sócios na imprensa gostam de falar de corrupção, pois, enquanto todos falam de dinheiro na cueca, não se fala em temas mais sofisticados e relevantes).
Agora chegamos ao terceiro vértice do triângulo: a imprensa. Por que a mídia brasileira reduziu o debate público à corrupção? Primeiro: porque a corrupção existe. Mas é estranho que a Veja, a Folha, o Estado e o sistema Globo só se interessem pela corrupção federal, como se não houvesse corrupção nos estados e municípios (que somados, manipulam verbas maiores que as do governo federal). Segundo: a imprensa investe nesse tema por que é um assunto popular, sobretudo na classe média tradicional, de vezo reconhecidamente moralista. Mas é lamentável que um grande jornal, como a Folha, tenha renunciado à tarefa de pensar o país e suas questões históricas, reduzindo sua pauta jornalística quase que exclusivamente à corrupção. Trata-se de uma miséria intelectual e política, mas coaduna-se com os interesses da oposição e do mercado financeiro. Terceiro: a imprensa, ou essa imprensa, não inventou a corrupção, é certo. Mas há comportamentos incompreensíveis para quem assume a postura de paladino da moralidade (o que lembra o PT de outrora, com uma diferença: é natural que partidos se comportem como partidos, mas é esquisito que órgãos de imprensa se comportem como tal). Exemplo: por que um personagem que ocupa um ministério, quando é derrubado, deixa de ser pauta? Se fosse o interesse público que mobilizasse a grande imprensa, o sujeito deveria permanecer sob escrutínio, até que a Justiça o condene ou inocente. Não é o que a imprensa faz, pois imediatamente esquece o ministro caído e procura outro para alvejar. Outra estranheza: a imprensa ataca, a exemplo de uma manada, um ministro por vez. Que o PSDB e o DEM, na qualidade de partidos de oposição, ajam com estratégia e cálculo, evitando dispersar energia, é perfeitamente legítimo e faz parte do jogo democrático, mas é curioso que a imprensa proceda sob pauta tão específica. Sexto e mais desabonador de todos os pontos: surgiu um livro, chamado A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, com primeira edição esgotada em 48 horas, que traz documentos e pesadas acusações de corrupção acerca das privatizações realizadas no governo Fernando Henrique Cardoso. Que os partidos que participaram daquele governo – que teve méritos, mas que pode e deve ser criticado, como o atual – busquem desqualificar a pesquisa de 12 anos realizada pelo jornalista é compreensível. Mas é intolerável que a grande imprensa ignore o livro, que tem sido massiçamente comentado nas redes sociais. A imprensa não deve acatar por acatar o argumento do texto, mas deve investigar, do mesmo modo que agiu com Roberto Jefferson, no dito mensalão. O silêncio da mídia em relação ao livro é constrangedor.
Numa democracia, a imprensa deve ser livre. Mesmo a imprensa lesa-jornalismo deve ter o direito de existir e publicar. Mesmo que brutalmente partidarizada, deve ser livre. O estado não deve regular, nem restringir a palavra. Deve, nos marcos da lei, como nas democracias ocidentais, garantir o direito de resposta e a responsabilização jurídica pela difamação e pela mentira (o que a Constituição já prevê). O problema não está no Estado, portanto. É no seio de uma sociedade plural que deve nascer e vicejar a palavra. A democracia brasileira deve ser capaz de criar e regular um sistema de informação mais pluralista, mais aberto, mais democrático. Não deve haver uma única língua impressa. É preciso que jornais, revistas, provedores de internet, TVs atendam a interesses e ideários múltiplos e diversos, pois múltipla e diversa é a sociedade. Um país que está a caminho de ser a sexta maior economia do mundo (The Economist), capaz de viabilizar a ascensão social de milhões, de manter as contas públicas e a inflação em ordem, crescendo, ainda que modestamente, não deve ser regido pelo oligopólio da palavra controlada por quatro famílias: Civita (Veja), Frias (Folha, UOL), Mesquita (Estadão), Marinho (Globo).  O Brasil precisa de mais imprensa, mais TVs, mais jornais e revistas, mais provedores, mais leitores, mais escritores, mais pluralidade, mais liberdade. Democracia de fato demanda palavra livre e plural. Livre da tutela do Estado e livre da tutela privada.
Libertas Quæ Sera Tamen!

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