segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Brasília 50 anos

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Janeiro 2010
A capital da República, que agora completa 50 anos, tem sido uma cidade antipática aos olhos dos brasileiros. Longe de "tudo", Brasília simboliza o "vazio" ocupado por burocratas e políticos. Se a cidade já era associada à corrupção, à ineficiência e à burocracia – em função dos desmandos federais desde os tempos da ditadura –, a imagem dela se deteriorou ainda mais, com o escândalo protagonizado pelo governador do Distrito Federal e os deputados da sua base. Nunca houve escândalo tão documentado e filmado a conspurcar a imagem que o velho PFL tentava, vestido de nova UDN, vender ao país. Brasília, a cidade moderna, ostenta, nas entranhas, o Brasil velho.
Os primórdios de uma antiga ideia
Peço aos leitores, no entanto, licença desse tema – o da corrupção –, para tratar dos 50 anos da realização de uma ideia espetacular: a de transferir a capital do Brasil para o centro geográfico do imenso território brasileiro.
O Presidente Juscelino Kubitschek não inventou Brasília, apenas a construiu. A ideia já havia aparecido na Constituição de 1823 – a nossa primeira Carta Magna –, sob inspiração de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). O projeto reaparece na obra de um dos primeiros historiadores brasileiros, Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), para quem a transferência da capital levaria a civilização para os sertões remotos do país.
A "Comissão Exploradora do Planalto Central" (1892-93), liderada pelo astrônomo belga Louis Ferdinand Cruls, gerou as condições para que "Brasília" já aparecesse no Pequeno Atlas do Brasil, de 1922. Getúlio Vargas também havia investido no assunto. Em 1953 cria, por decreto, a "Comissão de Localização". Especulou-se vários lugares, inclusive o triângulo mineiro, mas o local enfim escolhido foi mesmo o "quadrilátero Cruls", cuja localização praticamente coincide com o local onde Lúcio Costa e Oscar Niemeyer projetaram a cidade que JK mandou construir. Entre o fim do século XIX e a era JK (1956-1960), praticamente todos os governos namoraram a ideia, tida com extravagante e utópica, de construir uma cidade naquele ermo, em pleno interior de Goiás.
Marcha para o Oeste
Quando JK tomou posse, o país já havia assistido esforços de ocupar o interior do território nacional. Ainda no começo do século XX, o marechal Cândido Rondon desbravou o Oeste brasileiro. Rondon levou a cabo a tarefa de implantar telégrafos ligando os Estados de Mato Grosso, Amazonas e Acre ao restante do país. Entre 1907 e 1917, sua expedição estendeu 2.200 km de linhas telegráficas.
A conquista do Brasil continuaria na década de 40. Getúlio Vargas criou a "Marcha para o Oeste", a fim de incentivar a ocupação do Centro-Oeste do país. A Expedição Roncador-Xingu foi planejada para conquistar e desbravar o coração do Brasil. Iniciada em 1943 e liderada pelos irmãos Villas Bôas, a expedição adentrou o Brasil-Central, chegando até a Amazônia, travando contato com diversas etnias indígenas ainda desconhecidas. Naquele momento – o início da década de 40 – a grande maioria dos 43 milhões de brasileiros se concentrava no litoral ou próxima dele. A construção de Brasília não foi uma invenção súbita de JK, mas sim parte de um movimento histórico secular.
Brasília contribui de modo decisivo na interiorização de parte da população brasileira, facilitando a integração física do território nacional. Até meados do século XX, o Brasil era um "arquipélago", pois sequer havia estradas que conectassem as diferentes regiões do país. A Belém-Brasília, iniciada apenas nos anos 50, foi a primeira rodovia entre a Amazônia e o restante do país.
Brasília, Brasil
Brasília encerra ideias importantes, como as de integrar e modernizar o país e a de construir uma nação a partir de um projeto longamente acalentado, e não ao deus-dará do acaso. Mas também simboliza a corrupção que marcou sua construção, os negócios escusos das empreiteiras e a existência do poder central longe da maioria dos brasileiros e das pressões das ruas.
Brasília é Brasil, com tudo o que isso significa. Dos 508 deputados federais, apenas 8 são eleitos pelo Distrito Federal. Dos 81 senadores, apenas 3 são eleitos pelos moradores de Brasília. "Arrudas" não são exclusividade da capital, mas fenômenos bem brasileiros. Brasília tem o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, mas imensa desigualdade social. Nada mais brasileiro. Brasília simboliza uma vontade de nação, um desejo de construir (e portanto destruir). A cidade é portadora de um projeto de Brasil, de uma ideia de grandeza. Suas linhas retas, modernas, os prédios em traços alongados e curvos, carregam imperfeições, escondem tortuosidades, equívocas, antes na "alma" que no "corpo". Os traços modernistas não são capazes de apagar o país de Garrincha e Aleijadinho, para o bem e para o mal. Brasília é uma impossibilidade e uma esperança. A realização de uma graça e de uma desgraça. É o país em obras. Continuemos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário