segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Fundamentalismo ocidental


Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real.Agosto 2011
O terrorismo – diferente do que a imaginação conservadora do Ocidente sugere – não é apanágio do islamismo, mas do fundamentalismo, seja islâmico, judeu, cristão, ou ainda fascista ou stalinista. Nasce da incapacidade de conviver com a diferença e é animado pela vontade de universalizar, à força, o singular, ou o pretensamente singular. O nazismo foi, na trágica experiência histórica do século XX, o triunfo dessa vontade de poder, cujo signo de morte é conhecido.
O ataque perpetrado por Anders Behring Breivik, que resultou na morte de 76 pessoas, em sua maioria jovens e simpatizantes do Partido Trabalhista, em geral favoráveis ao multiculturalismo e às leis migratórias mais inclusivas, não se originou, pura e simplesmente, de uma mente pervertida. Não que Anders Behring Breivik não o seja, mas a perversão é mais complexa. Em entrevista ao jornal espanhol El País (25/07/2011), o taxista Arild Tangen, eleitor do Partido do Progresso, de extrema direita, detentor de 23% dos votos na eleição de 2009, proferiu a seguinte e esclarecedora frase: "Se odiava tanto os muçulmanos, que matasse jovens muçulmanos ou negros". Tangen, que considera Breivik um "bastardo", parece não discordar do método, mas sim do alvo. Breivik preferiu atacar brancos noruegueses simpáticos ou tolerantes aos muçulmanos e negros.
Anders Behring Breivik filiou-se por volta do ano 2000 a um partido conservador, mas rapidamente se desiludiu, pois – segundo descreveu em seu manifesto, "2083 - Uma Declaração Europeia de Independência" – chegou à conclusão que a suposta islamização da Europa e o multiculturalismo europeu não seriam detidos por meios democráticos. O ataque terrorista da Noruega é a ponta mais visível da ascensão dos movimentos xenófobos, de viés autoritário, racista e hostil à imigração, movimentos cada vez mais fortes na Europa.
Mas também nos Estados Unidos, onde, recentemente, uma deputada democrata, contrária as leis anti-migratórias mais duras, foi ferida a tiros por um militante de ultra-direita, para quem Barack Obama é "negro", "muçulmano" e "socialista". Não se trata de discorrer sobre a confusão conceitual em torno da associação desses três vocábulos, tornados adjetivos, mas observar o fato de que - nas sensibilidades do radicalismo conservador – aparecem juntos.
O ataque do fundamentalismo cristão-ocidental na Noruega (bem como as bandeiras políticas ultra-conservadoras do Tea Party nos Estados Unidos), além do ódio aos imigrantes e ao mundo islâmico, têm em comum um profundo ódio ao Estado, visto como uma instância de proteção aos fracos, aos preguiçosos, aos pobres, aos negros, aos imigrantes. Não parece ter sido coincidência que Anders Breivik tenha atacado o quarteirão do governo em Oslo e um agrupamento da Juventude Trabalhista (partido no poder desde 2005).
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Anders Behring Breivik assumiu plenamente sua simpatia pelo nazismo. O que nos remete aos esforços intelectuais para compreender o nazifascimo. Neste momento quando muitos tentarão explicar o ataque através da loucura de Anders Breivik, convém retomarmos os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer, para os quais os fascismos e sua lógica de segregação não podem ser explicados pela ação de monstros patológicos, perversos e loucos, mas como uma forma de vida, alimentada por uma ética e uma estética bem definidas e disseminadas, cujo fulcro não está nos delírios paranoicos de certos indivíduos (delírios que de fato existem, mas não se explicam fora do contexto social, político e cultural), mas no discursos e nas sensibilidades políticas tacitamente aceitos por determinados grupos.
Dito de outra forma: sim, o autor era "louco", como eram loucos os terroristas de 11 de setembro, mas essa loucura tem uma causa mais política do que clínica.
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O extremista norueguês – islamófobo, cristão conservador e simpatizante de partidos de extrema-direita – cita o americano Ted Kaczynski, o Unabomber, que matou três pessoas e feriu 23 entre as décadas de 70 e 90. O Manifesto de Unabomber se opunha à "sociedade industrial" e ao "esquerdismo moderno". No texto de Breivik, desaparece o termo "esquerdismo", substituído pelo de "multiculturalismo" ou "marxismo cultural". No manifesto de 1500 páginas, intitulado "2083 - Uma Declaração Europeia de Independência" (provável alusão à batalha de Viena, em 1683, que colocou fim ao avanço otomano sobre a Europa), Anders Breivik não esqueceu o Brasil. Nele, afirmou que uma "revolução marxista" instituiu no Brasil uma sociedade que mistura descendentes de asiáticos, europeus e africanos.
A miscigenação, diz, levou "altos níveis de corrupção, falta de produtividade e em um conflito eterno entre várias culturas competitivas". A existência de mulatos e de mestiços teria formado "sub-tribos" e, continua, "é evidente que um modelo semelhante na Europa seria devastador". A miscigenação de raças na Europa significaria o genocídio dos nórdicos, conclui o aturdido norueguês.
São explicações, naturalmente, estapafúrdias, ou mesmo engraçadas, como a tese segundo a qual a "revolução marxista" (sic) teria misturado raças, mistura que no Brasil começou uns 400 anos antes do velho Karl Marx ter nascido. Mas as teses de Breivik servem para mostrar o quanto um país mestiço como o Brasil – e agora razoavelmente próspero – incomoda o radicalismo conservador do Atlântico Norte. E isso não é nem um pouco engraçado, sobretudo quando lembramos que ecos deste conservadorismo também pulsam no seio da sociedade brasileira. Lembremos dos ataques aos gays na Paulista, ou do pai e filho que foram agredidos por serem confundidos com "gayzinhos" no interior de São Paulo; lembremos ainda dos delírios separatistas de paulistas e sulistas, indignados com a opção política dos nordestinos nas últimas eleições presidenciais. Uma moça de São Paulo postou no Twitter: "Nordestino não é gente, façam um favor a SP, mate um nordestino afogado!". Milhares de pessoas, pública ou silenciosamente, concordaram com o teor da frase.
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Em termos civilizatórios, como sugerem Adorno e Horkheimer, o problema não está nos delírios individuais, mas sim nos delírios coletivos.

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