segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Joaquim Nabuco, o Abolicionista


Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Fevereiro 2010

"A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil".
Joaquim Nabuco
O homem
O ano de 2010 marca o centenário de morte de Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849-1910), ou simplesmente Joaquim Nabuco, um dos brasileiros mais influentes de seu tempo. Amigo de homens ilustres – como Machado de Assis e o Barão do Rio Branco, Nabuco foi orador notável, diplomata de primeiro nível, intelectual poliglota e homem de ação. Se tantos talentos não lhe bastassem, era ainda filho de um dos grandes homens do Império, o Senador Nabuco de Araújo (1813-1878) e herdeiro, pelo lado materno, de um engenho de açúcar em Pernambuco, o famoso Engenho Massangana.
Para confirmar a injustiça do mundo, que distribui tão mal a sorte, o talento e a fortuna, Joaquim Nabuco foi um dos varões mais elegantes da Belle Époque tropical, por quem suspiravam donzelas e senhoras. Não sem motivos, era chamado nos círculos íntimos de Quincas, o belo. Em seu livro de memórias, a filha Carolina sustenta que Nabuco, quando embaixador brasileiro nos Estados Unidos (1905-1910), foi considerado o homem mais bonito de Washington.
Nem só as mulheres se deixavam seduzir pelo pernambucano. Angela Alonso, no livro "Joaquim Nabuco" (Companhia das Letras, 2007), mostra como o biografado caiu nas graças do presidente Theodore Roosevelt (1901 a 1909) e de seu secretário de Estado, Elihu Root. Embora amado nos Estados Unidos, a recíproca não era exatamente verdadeira. O aristocrata brasileiro acalentava um misto de simpatia e de antipatia pela sociedade norte-americana. Simpatizava com a democracia, com as instituições e com o progresso americano. Mas não lhe agradava a excessiva apologia ao trabalho e ao dinheiro.
Nem tudo é admirável nesse homem incomum. Em função de sua formação, de seus valores e de sua classe de origem, Nabuco nutria um sentimento de identificação e fascínio pela Europa (e, menor grau, pelos EUA) em detrimento do Brasil. Ele adorava exibir seu perfeito domínio do francês e do inglês e seus conhecimentos acerca da civilização ocidental, talvez para compensar a sensação de inferioridade, típica de sua classe, inconsolada por ter nascido num país periférico como o Brasil.
Em "Minha Formação", Nabuco afirma que todas as paisagens do Novo Mundo não valeriam "um pedaço do cais do Sena à sombra do velho Louvre". Essa afetação colonizada levou Mário de Andrade, em carta a Carlos Drummond de Andrade, a cunhar um conceito-deboche: a "moléstia de Nabuco", mal que consistiria numa esquizofrênica saudade da Europa, mesmo antes de tê-la conhecido. Em outras palavras, trata-se da noção de pertencimento ao Ocidente moderno e, simultaneamente, da incômoda consciência de estar na periferia dele.
Sob esse aspecto, Nabuco é um tipo clássico da elite brasileira, facilmente encontrável ainda hoje em certos ambientes. No entanto, diferente da maioria destes, Nabuco tinha compromisso com o Brasil. E desse engajamento com nosso drama histórico nasceu sua compreensão do legado trágico que a escravidão representou, cujo fardo ainda hoje nos pesa, mais de um século depois da Abolição.
A obra
Os anos que vão de 1878 – quando eleito deputado por Pernambuco – até a queda do Império, em 1889, marcam os dias mais vibrantes da vida intelectual e política de Joaquim Nabuco. Nesse período, pensar a instituição escravocrata mobilizou suas melhores energias, em parte, graças ao exemplo do pai, que havia se empenhado pela aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871. O jovem Nabuco abraçara a causa da abolição como poucos outros brasileiros de seu tempo, embora jamais tenha sido um radical, defendendo a pressão da opinião pública e a via política e institucional para se atingir a causa abolicionista.
Dono de uma inteligência privilegiada, Nabuco foi também um leitor voraz e criativo, o que lhe permitiu escrever pelo menos três livros excepcionais: "O Abolicionismo" (1883), "Um Estadista do Império" (1897-1899) e "Minha Formação" (1900). Os dois primeiros são clássicos absolutos do pensamento brasileiro. "O Abolicionismo", por discutir a fundo a escravidão, e "Um Estadista do Império", uma biografia de seu pai, é, na verdade, um valioso perfil do segundo reinado.
Joaquim Nabuco era signatário de um projeto modernizador, que pressupunha a manutenção do Império e a execução de mudanças que levassem o país ao capitalismo e à democracia, no sentido dado à palavra em fins do século XIX, que significava independência dos poderes, liberdades civis, parlamento em atividade, eleições regulares (mas não necessariamente sufrágio universal). Sua luta contra a escravidão passava pela perspectiva de se construir no Brasil uma nação moderna, dentro do paradigma ocidental de civilidade, o que fez dele um abolicionista radical, embora fosse um pensador moderado, de inspiração liberal.
Em 1882, foi novamente candidato a deputado, desta vez pela Corte, sem conseguir se eleger, o que o levou a se auto-exilar em Londres, onde se aproximou da "Anti-Slavery Society", uma organização britânica dedicada a combater a escravidão ao redor do mundo. Na capital inglesa escreveu e publicou – pela Abraham Kingdon, em 1883 – "O Abolicionismo". O livro é um ensaio de sociologia política em que refletiu o modo como a escravidão penetrou em todos os poros da economia, da sociedade e da cultura brasileira, sem deixar de ser, também, um programa de ação. A escravidão brasileira era incompatível com os valores modernos e liberais que a civilização ocidental foi construindo desde o Iluminismo.
O problema, segundo Nabuco, não era a presença dos negros, mas a instituição escravocrata, que havia penetrado em todas as classes, em todas as consciências, em toda a vida brasileira, constituindo-se no problema nacional por excelência. Problema que perduraria ainda por muito tempo – previsão, aliás, das mais acertadas. Nabuco – como seu amigo Machado de Assis – está entre os poucos intelectuais brasileiros de fins do século XIX que não se deixaram afetar pela vaga científico-racista, também conhecida como darwinismo social. Sem deixar de ser quem era, Joaquim Nabuco conseguiu superar com clareza e convicção o obscurantismo mental da maioria dos homens de sua classe, compreendendo que o Brasil, para ser uma nação moderna, deveria superar as instituições e a mentalidade gestada no período colonial.
A superação da pobreza extrema e da desigualdade crônica (de classe, de cor, de gênero e de região), conjugada à construção de um sistema educacional público, universal e de qualidade, representariam uma nova abolição que honraria o legado de Joaquim Nabuco.

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