segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Muito verde: Marina Silva e sucessão presidencial

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real.  Setembro 2009

O mundo político brasileiro foi sacudido por uma notícia: Marina Silva, senadora pelo pequeno e distante estado do Acre, de biografia considerada inatacável, deixa o PT, depois de 30 anos de militância política, para entrar no Partido Verde, onde deve se candidatar à presidência da República. A ex-ministra do Meio Ambiente, que por quase seis anos serviu na Explanada dos Ministérios, havia deixado o governo Lula em função de desavenças internas, especialmente com a Casa Civil, comandada pela poderosa Dilma Roussef, mas também por divergências com o Ministério da Agricultura, alinhado com os interesses do agro-negócios.
Marina da Silva sai do PT, sem, no entanto, desqualificar o partido, nem negar os avanços sociais do governo Lula: "É uma decisão que exigiu de mim coragem para sair daquela que foi até agora a minha casa política e pela qual tenho tanto respeito, mas estou certa de que o faço numa inflexão necessária à coerência com o que acredito ser necessário alcançar como novo patamar de conquistas para os brasileiros e para a humanidade."
A crítica da ex-ministra se concentra no modelo de desenvolvimento, considerado atrasado, socialmente perverso e ecologicamente insustentável: "Tenho a firme convicção de que essa decisão vai ao encontro do pensamento de milhares de pessoas no Brasil e no mundo, que há muitas décadas apontam objetivamente os equívocos da concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida."
A rigor, é uma crítica ao modelo de desenvolvimento em vigor, do qual o governo federal partilharia, do mesmo modo que seria partilhado pelos governos estaduais de partidos de oposição. Diferentemente dos setores mais tradicionais da política brasileira, a ex-ministra defende vigorosamente o legado social do governo Lula. 
O professor de economia da USP, Eli da Veiga - Doutor em Desenvolvimento Econômico e Social pela Sorbonne, com pós-doutorado em Cambridge - afirma que tanto Serra quanto Dilma seriam "crescentistas" – presos a crenças do século passado e estranhos à economia de baixo carbono que, acredita, vai marcar o desenvolvimento no século XXI. Marina, no entanto, afirma que, se candidata, não faria uma campanha contra o governo Fernando Henrique Cardoso ou contra o governo Lula. O que sugere uma candidatura pós-Lula, diferente da expectativa de determinados setores da sociedade brasileira, de sensibilidade conservadora, forte na classe média tradicional, que esperam uma candidatura anti-Lula.
"Ecodesenvolvimento" Um dos possíveis efeitos políticos da candidatura de Marina Silva está em agregar à agenda pública brasileira uma perspectiva fundamentada no "ecodesenvolvimento", com tintura social, preocupação distributivista e geradora de renda, (o que não exclui os empresários, antes o contrário).
Constituindo-se, portanto, em uma alternativa ao "ambientalismo", expressão que sugere uma dimensão restrita à paisagem, em que a visada econômica, social e cultural da vida aparece esmaecida num escapismo frequentemente bucólico ecologista, cuja agenda política não oferece resposta à base da pirâmide social.
Outro possível efeito político é a construção de uma candidatura reputada como "ética", mas destituída do vezo lacerdista, moralista e elitista, tal como empunhado pelos segmentos mais retrógrados da mídia, em linha com as sensibilidades demófobas de setores médios que, no Brasil, tendem ao "Partido da Ordem". Nem tudo são flores no novo jardim de Marina. O Partido Verde - adverte o mesmo Eli da Veiga - abriu-se para toda sorte de oportunistas. Lembremos que Zequinha Sarney (PV-MA), filho do velho e contestado presidente do Senado, José Sarney, é um dos entusiastas de sua candidatura.
O PV, no Rio de Janeiro, participou de todas as gestões de César Maio, do DEM (ex-PFL). Em São Paulo, o PV faz parte do gooverno de Serra e Kassab, cuja base social, fortemente assentadas nas classes mais altas, tem pouquíssima e nenhuma identidade com a história e as convicções de Marina Silva
Restam, portanto, perguntas.
Afinal, com quem Marina Silva governaria? Como seriam suas relações com o agro-negócio, cuja força econômica é inegável? Como a candidata evangélica lidaria com a pluralidade comportamental da sociedade brasileira? Quais são suas osições, especificamente, sobre a luta pelos direitos civis dos homossexuais, as questões relativas à descriminalização do aborto, as pesquisas com célula-tronco? Qual será seu comportamento político quando os meios de comunicação perceberem que a candidatura de outro Silva não servirá de satélite às aspirações conservadoras? (Mas se servirem, Marina não será Marina, mas uma fraude política a desmentir sua própria história).
Nem Fernando Henrique, nem Lula, puderam governar prescindindo de forças atrasadas e fisiológicas. Marina Silva, na hoje improvável hipótese de ser eleita, conseguiria reunir em torno de si uma federação de interesses modernos e progressistas, capaz de impulsionar novos ganhos sociais, expansão econômica e avanço institucional, matizados por um paradigma (eco) desenvolvimentista, de inspiração social?
As respostas não virão da candidata, já conhecida e reconhecida, mas da candidatura, ainda uma incógnita. Os signos políticos que determinarão sua campanha à presidência ainda estão muito verdes, mas já agrega pimenta ao molho sucessório.

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