segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Por que Dilma será eleita no dia 31 de outubro

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Outubro 2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o grande eleitor de 2010. Na história republicana brasileira jamais houve um presidente, em fim de mandato, com a musculatura política de Lula. Como a Constituição impede a re-reeleição – e Lula não pleiteou o terceiro mandato – em algum lugar do oceano político desaguaria a potência de um presidente cuja aprovação é altíssima. Logo, Dilma Roussef será eleita por obra e graça do lulismo – um fenômeno político que superou em potência e criação o petismo, do qual emergiu.
Por um lado, é bom que se diga, reconhecer a condição de Lula como o grande eleitor não retira méritos de Dilma; por outro, não se pode negar que teria sido melhor para a democracia brasileira a escolha de um candidato que representasse uma instituição ou concerto político, e não a vontade cesarista de um líder. Não se trata de querelas menores, como o fato de Dilma não ter tido cargos eletivos, pois ela esteve à frente de importantes cargos políticos – cuja relevância chancela pretensões presidenciais. Trate-se de uma questão maior: a sofisticação institucional da escolha que, em democracias sólidas, emana das instituições, através de instrumentos bem mais legítimos, como as prévias.
Nesse sentido, a escolha de Barack Obama – em prévias internas que mobilizaram os democratas americanos de Leste a Oeste, derrotando inclusive os barões do Partido, liderados pelo casal Clinton – é um exemplo. Nossa democracia não chegou nesse nível. O principal candidato da oposição a Lula, José Serra, foi escolhido por um conclave de cardeais tucanos, com a benção tácita dos barões da imprensa paulista. Houvesse prévias nas frentes tucanas, a chance de Aécio Neves vencer, na maioria dos diretórios do PSDB, exceto na sessão paulista do partido, era bem mais do que razoável. Sob esse aspecto, a fragilidade institucional da candidatura de Marina Silva (PV) é ainda pior: ela entra no partido virtualmente indicada candidata a presidente.

A força do lulismo
Se Dilma Roussef for eleita, será por força do lulismo, cujo fenômeno político é preciso compreender. Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que Lula cumpriu, ao mesmo tempo, dois contratos políticos com os eleitores. Um – contraído ao longo de seu percurso político – que prometia melhorar a vida dos pobres e diminuir a concentração de renda. Outro – formalmente assinado em 2002, na "Carta ao Povo Brasileiro", onde se comprometia a cumprir todos os contratos em vigor e, implicitamente, sugeria um governo market-friendly.
Interessa menos, para grandes contingentes populacionais, que o governo Lula não tenha viabilizado a melhoria das condições de vida através de uma plataforma socializante, como propunha o mito de fundação do Partido dos Trabalhadores. Do ponto de vista dos mais pobres, a maioria dos signatários do lulismo, a vida melhorou, e melhorou graças a políticas públicas – como o Bolsa-Família, aumentos consistentes do salário mínimo, crédito aos mais pobres, programas como o Pró-Uni e o Luz para Todos, investimento públicos e privados, geradores de empregos, sempre com a mão visível do BNDES, etc. E não por obra da natureza.
Lula também cumpriu a "Carta ao Povo Brasileiro", pois manteve o tripé da política macroeconômica herdada do fernando-henriquismo, a saber, câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Mas, se sob certo aspecto o governo Lula manteve as linhas gerais do governo anterior, em outros operou mudanças, no sentido de um novo desenvolvimentismo, como o aumento do ativismo estatal atesta, mediante a construção de grandes obras públicas, entre elas as hidroelétricas do rio Madeira, a transposição do São Francisco, programas ambiciosos como o Minha Casa-Minha Vida, etc.
E também a valorização do serviço público, com a abertura de novos concursos. As universidades federais foram reequipadas, com equipamentos e recursos humanos, e novas foram criadas, gerando milhares de vagas. Intervenções que puseram em marcha o crescimento do mercado interno, criando empregos, e angariando apoios. Com isso, o governo Lula superou o raquitismo estatal dos anos de Pedro Malan no Ministério da Fazenda, cuja visão liberal da economia e da sociedade liquidou qualquer veleidade social-democrata que o PSDB pudesse acalentar.
Projeto pluriclassista
O "milagre" do lulismo foi a construção de um projeto pluriclassista, movido pelas circunstâncias e as possibilidades, mas ao fim e ao cabo consistente, de modo a abarcar o agronegócio e a agricultura familiar; incitando, ao mesmo tempo, o espírito animal dos empresários e conferindo importância aos sindicatos e aos sindicalistas; vestindo o boné do MST (evitando criminalizar os movimentos sociais) e encorajando os usineiros a produzirem álcool e açúcar para gerar empregos e dólares ao país.
Nesse sentido, o lulismo é diferente do petismo, cujo compromisso de classe, ideológico, ainda se faz notar, como também é diferente do fernando-henriquismo, que assumiu uma visão liberal no trato com a sociedade civil e, na política externa, adotou uma tênue visão americanófila, em linha com os interesses objetivos e subjetivos da elite brasileira.
Como nos lembra o cientista político Andre Singer ("Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo", "Novos Estudos", 85, nov 2009*), as opções políticas de Lula o aproximaram das massas deserdadas, historicamente refratárias ao discurso do PT, assim como distanciaram o partido da classe média tradicional, o núcleo central da resistência anti-lulista, em parte, ressentida com a perda de exclusivismo social representada pela ascensão de quase 30 milhões de pessoas, em parte desapontadas pelas alianças de Lula (Renan Calheiros, Collor, Sarney etc.). Sob esse aspecto, nota Singer, Lula se aproxima da herança varguista.
O que está em disputa, neste momento, é a natureza do governo Dilma, se mais "petista" ou mais "lulista". Ambas as perspectivas incomodam os setores mais conservadores, mas o viés "petista" os assusta, levando-os a flertar com uma retórica tardo-udenista. O cerco a Dilma por parte de setores da imprensa – do qual a Revista Veja é o exemplo mais eloquente – visa enfraquecê-la, pois derrotá-la agora é impossível, de modo a forçá-la a não flertar com o "radicalismo" petista e não acelerar o ativismo estatal, visto como essencialmente corrupto ou ineficiente, frente à suposta superioridade racional (e mesmo moral!) do capital privado.
Quem viver verá
A tese – segundo a qual Dilma representaria um "verdadeiro projeto de governo petista" – carece de fundamentos e evidências, na medida em que ela é uma neopetista, egressa do PDT, partido cuja origem brizolista/varguista é evidente. (O que, talvez, explique a opção de Lula). Dilma, apesar do passado hard e de uma visão pró Estado ativo, é muito próxima do capital produtivo, com bom trânsito no empresariado. A hostilidade a Dilma vem, sobretudo, da imprensa e suas conexões com a classe média tradicional e o rentismo, setores que se sentiam mais protegidos – senão concreta, ao menos simbolicamente – no governo Fernando Henrique Cardoso.
À direita e à esquerda, quem esperar radicalismo de Dilma pode se frustrar. Quem esperar o enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, tanto à esquerda, como à direita do espectro político, pode ficar falando a públicos hiper ideologizados e a minorias raivosas. A pergunta, essa sim, por ora irrespondível e relevante, é se Dilma Roussef terá condições políticas, pessoais e circunstancias para liderar o concerto pluriclassista herdado de Lula, tendo aliados sedentos, como o PMDB e o PT, e adversários escandalizantes e lacerdistas, como a fração mais barulhenta frente oposicionista demo-tucana. Terá Dilma virtude e fortuna para dar continuidade à obra política de Lula? Quem viver verá. 
 

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