segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Obama e o Brasil

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Abril 2011

A visita do presidente dos Estados Unidos Barack Obama em março, foi, paradoxalmente, importante e desimportante. Por um lado, conferiu ao Brasil a importância que o maior país da América Latina de fato tem, como detentor do maior território, da maior população e da maior economia da região. O país mais rico do mundo, em crise, já não pode ignorar o Brasil, emergente. A visita de Obama prestigia um país que soube construir a mais respeitável democracia entre os países Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). Por outro lado, o presidente Obama, após ter falado ao governo e aos empresários em Brasília, discursou aos "notáveis" no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde fez um discurso simpático, destinado a adular o Brasil. No pronunciamento, sobraram lugares comuns e clichês amáveis, não raro constrangedores ou simplesmente antigos, como "país abençoado por Deus e bonito por natureza" e a menção a Paulo Coelho. Em certos momentos, a condescendência de Obama lembrou o mestre elogiando o bom aluno: "O Brasil é um exemplo para os árabes", disse.
O que Obama queria mesmo era atrair o Brasil às posições norte-americanas em termos de política externa e, principalmente, vender, que é o que a economia americana precisa para voltar a crescer e gerar empregos. É isso o que pode garantir ao presidente a sua reeleição. Lembremos que Obama está sob fogo cerrado da direita americana. Até a modesta lei que prevê auxílio-saúde para os americanos mais pobres (lei que Obama queria muito mais abrangente, mas que a sociedade americana não deixou), corre o risco de ser anulada no Congresso, onde os republicanos são maioria na Câmara. Para que Obama saia da defensiva, politicamente falando, é necessário fazer a economia crescer. E o Brasil é o quinto maior importador de produtos made in America.
A agenda comercial do presidente dos Estados Unidos é legítima. Assim como foi assertivo e acertado o discurso da presidente Dilma Roussef, que cobrou – elegante, mas claramente – respostas americanas às barreiras comerciais aos produtos brasileiros. O etanol e a carne bovina, apenas à guisa de exemplo, são impedidos de concorrer no mercado americano pelo simples fato de serem hipercompetitivos. O liberalismo americano tem seus limites, e um desses é o interesse nacional. Talvez aí esteja a grande diferença entre os liberais norte-americanos e latino-americanos. No Brasil e na América Latina, os liberais têm uma espécie de fobia em relação ao interesse nacional e são acometidos de inquebrantável americanofília.
Política externa
É um equívoco imaginar que a política externa de Dilma seja "do bem" e a de Lula tenha sido "do mal". À parte o ajuste em relação ao Irã, a postura básica da política externa continua a mesma. Prova disso é que o Brasil não chancelou politicamente o ataque militar à Líbia, não porque seja simpático ao regime de Gaddafi, mas porque democracia não se constrói com as bombas das potências ocidentais. A gestão Dilma/Patriota, como a gestão Lula/Amorim, continua ativamente pró América Latina. (Na era Lula, a maior parte do tempo nas relações Brasília – Washington foram excelentes). A primeira viagem de Dilma foi a Buenos Aires e não a Washington. Em política externa símbolos e sinais são todo um compêndio.
Mídia
A direita midiática americana atacou Obama pela suposta "irrelevância" de sua viagem ao Brasil. No canal Fox, houve gracinhas preconceituosas, como a afirmação de que Obama estava de férias no Rio, terra de samba e carnaval. Eles não entendem que um país que dança pode ser a sétima maior economia do mundo e um dos maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos. A imprensa americana, quando o Obama estava no Brasil, só falava da Líbia. Daqui alguns anos, a Líbia continuará a ser um país pouco importante, ao passo que o Brasil será mais importante que o Reino Unido ou a França, em termos de influência econômica e mesmo política e cultural. Já a direita midiática brasileira, do tipo Veja, deu vazão ao já costumeiro sentimento anti-Lula. Atacaram dias a fio a ausência do ex-presidente no evento que reuniu ex-presidentes – na recepção oficial a Obama em Brasília –, FHC inclusive.
Fizeram do ausente o maior presente. Agora o discurso ressentido sugere que Dilma seria "diferente" (no sentido de melhor) do que Lula. No período eleitoral, dizia-se que Dilma era "diferente" de Lula (no sentido de pior). Quando Lula colhia bons indicadores econômicos, o discurso era dizer que o governo Lula era "igual" ao de FHC. Agora que o governo Dilma parece se consolidar e recebe aprovação popular, afirma-se que Dilma é "técnica", Lula "verborrágico". Logo, "melhor" do que Lula. A democracia precisa de jornalismo a sério e não desse jogo frívolo e vulgar.
Ainda estamos longe de construirmos uma imprensa como a inglesa (não me refiro aos tablóides, claro) que, por mais problemas que tenha, emula a pluralidade social e política do país. Quando haverá entre nós algo remotamente semelhante a uma revista liberal e séria, como a Economist, e um jornal de centro-esquerda e sério, como o Guardian?Aliás, sobrou ao britânico Financial Times a tarefa de elogiar a visita de Obama ao Brasil, reconhecendo o pequeno esforço da máquina presidencial norte-americana em por a América Latina no mapa político de um mundo multipolar.
"Brazilian dream"
A família Obama – negra, sofisticada, liberal e progressista, despojada, informal e simpática, educada nas melhores universidades dos Estados Unidos – parece mexer com a fantasia brasileira. Em algum país branco do Prata, como a Argentina, a corte brasileira aos Obamas seria vista como mera afetação americanófila, quando na verdade alude às nossas mais fundas esperanças e frustrações, de país miscigenado, onde 50% da população tem a cor da primeira família da América do Norte, um casal que se fez pelo caminho da educação, não da herança, nem do nome, nem da fortuna.
A simpatia pelos Obamas, que subiram pela via do esforço e da educação (a via burguesa, norte-americana, o lado progressista dos Estados Unidos) desperta uma esperança no Brasil de baixo, historicamente oprimido, num país gravemente fraturado pela escravidão. Os Obamas fecham o círculo. No plano imagético, Lula quebrou a barreira de classe, Dilma a de gênero e Obama a de "raça".

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