segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Brasil no mundo


Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Fevereiro 2011

"Vejo uma trilha clara pro meu Brasil, apesar da dor
Vertigem visionária que não carece de seguidor."
Caetano Veloso

"Brasil amado não porque seja a minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas, amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir."
Mário de Andrade

O Brasil – apesar do montante de problemas acumulados ao longo da história e jamais "resolvidos", em especial a extrema desigualdade e o baixo nível educacional – mudou de patamar nos últimos 20 anos. Hoje, o país é reconhecido internacionalmente como uma vibrante democracia, com instituições sólidas, estabilidade política e desenvolvimento econômico. O que atesta essa vitalidade é justamente a capacidade de gerarmos riqueza e (termos começado a) distribuí-la, através de políticas públicas implantadas a partir da Constituição de 1988 e aprofundadas nas gestões FHC e principalmente Lula.
A Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 demonstram o reconhecimento internacional do novo patamar que o Brasil alcançou. Ter melhorado as condições de vida, internamente, e ganhado prestígio internacional, não significa que realizamos o futuro. Basta ver os estragos materiais e humanos ocasionados pelas águas de janeiro, cuja responsável, além da fúria da natureza, é a caótica ocupação do solo, marcada pela pobreza e a falta de planejamento (falta de Estado democrático, no seu sentido concreto, poderíamos dizer). Mas, apesar dos pesares, o país, em 2010, cresceu mais 7%, criando quase dois milhões e meio de empregos formais.
A sensação de realização, por um lado, e a consciência de nosso atraso, por outro, criam uma atmosfera na qual cabem imagens ufanistas ou o velho complexo de vira-latas. Duas misérias tolas e preguiçosas. A sociedade brasileira precisa assumir que há uma janela de oportunidades, que pode nos levar ao hall dos grandes países do mundo ou podemos simplesmente ficar para trás, o que aumenta a responsabilidade dos atores políticos, no governo e na oposição, nas empresas, nas universidades, nas associações de classes, em toda a sociedade civil.
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Podemos apontar três tendências de longo prazo que mudaram para melhor nos últimos anos e sugerem perspectivas promissoras, que serão ou não aproveitadas pelo país.
Demografia. O fim da explosão demográfica é um bônus que o país está colhendo, na medida em que a população economicamente ativa é percentualmente maior do que no passado. Se o número de alunos, por exemplo, não aumenta dramaticamente, torna-se possível aumentar os investimentos em educação, em termos per capita. Também se pode citar a queda vertiginosa no crescimento das grandes cidades como outro crédito importante, pois, se uma favela for urbanizada, não vai surgir outra ao lado, uma vez que a população já não cresce mais de modo explosivo, nem há mais estoques de população rural disposta a emigrar aos centros urbanos. De acordo com dados do último censo do IBGE, são as cidades médias as que mais crescem. O Nordeste deixou de ser um doador de migrantes, ao contrário, começa a atraí-los.
Energia. Não é possível o desenvolvimento – e, no limite, a própria vida – sem energia. Sob esse aspecto, o Brasil está em posição privilegiada. As descobertas do pré-sal, a estrutura e a pesquisa já desenvolvida em torno dos biocombustíveis (etanol de primeira e segunda geração, biodiesel de mamona, etc.) são apenas alguns exemplos que se podem citar. No Nordeste, a geração de energia eólica está se tornando realidade. No Norte, o potencial hídrico, ainda não desenvolvido ou em desenvolvimento (vide as duas grandes usinas em construção no Rio Madeira, em Rondônia) traz perspectivas animadoras, ao menos do ponto de vista econômico. A usina nuclear Angra III foi retomada (outra obra polêmica, pois ecologicamente problemática). Do ponto de vista ambiental é necessário equilíbrio e sustentabilidade. O que é fácil de dizer e difícil de fazer. O certo é que não faltará energia para o Brasil crescer, como já aconteceu no passado.
Alimentos. A abundância de água, sol e terras agricultáveis; a capacidade empreendedora dos agricultores brasileiros sejam pequenos ou grandes; a oferta de tecnologia para a agricultura tropical produzida pela Embrapa; mais a fome insaciável da China e da Índia, tornam o Brasil um grande produtor de grãos, carnes, açúcar e frutas. Mas temos problemas nessa área. O agronegócio é importante para o país, mas deve respeitar o meio ambiente e os direitos humanos. Foram representantes do agronegócio que assassinaram Chico Mendes e, mais recentemente, a irmã Dorothy, além de centenas de outros líderes populares, não só na Amazônia, mas no Brasil inteiro. O agronegócio é estratégico ao país, mas não podemos esquecer a pequena propriedade familiar, que produz comida e não commodities. De qualquer modo, o país vai continuar a bater recordes na produção agrícola, num mundo onde falta comida. Em função do enorme superávit comercial brasileiro nessa área (de modo relevante importamos apenas trigo), sobrarão dólares na economia.
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Temos, no entanto, um enorme problema a resolver. O fato de termos alimentos e minérios para vender – agora e ainda mais no futuro – contribui para o fortalecimento excessivo do real contra o dólar, dificultando as exportações industriais brasileiras. Países grandes, mas com população relativamente reduzida, como Argentina, Austrália e Canadá, não necessitam de uma cadeia industrial complexa para serem prósperos. Podem se especializar nos segmentos onde possuem vantagens comparativas.
Não é o caso do Brasil. Com uma população de 195 milhões de habitantes, o que representa um contingente habitacional maior que a Argentina, a Austrália e o Canadá somados, estamos condenados a ter uma indústria complexa, que produza de aviões a produtos têxteis, de computadores a calçados, de plataformas petrolíferas a alimentos e bebidas. Isso não é uma imposição do orgulho nacional, ou qualquer veleidade dessa natureza, mas uma necessidade, na medida em que precisamos integrar ao mercado de trabalho uma legião de pessoas. Hoje o país precisa de trabalhadores qualificados – engenheiros, por exemplo –, e o índice de desemprego é o mais baixo da série histórica. Mas não podemos prescindir da indústria, uma das grandes conquistas ensejadas pela era Vargas, que contribuiu não apenas para o progresso material, mas também para a sofisticação política do país, na medida em que os trabalhadores urbanos entraram na cena política e social.
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O Brasil é um país de vocação planetária por múltiplas razões. Nossa população foi formada por europeus, africanos, ameríndios e asiáticos. Gente de todos os cantos da Terra convergiu para formar o Brasil. Tomando emprestada a expressão do mexicano José Vasconcelos Calderón, estamos formando uma "raça cósmica", orgulhosa de si, mas aberta ao mundo. Em termos econômicos e políticos, temos relações diplomáticas e comerciais com praticamente todos os países do mundo. Somos um global trader, pois mantemos fortes relações comerciais com as Américas, a União Europeia e a Ásia. Diferentemente do México, não somos dependentes do mercado norte-americano. Hoje, a China é o nosso maior parceiro comercial (o que demanda cuidados, pois quase só vendemos produtos primários – soja e minério de ferro, principalmente – e importamos produtos industriais), desbancando os Estados Unidos, que no começo do século desbancou a Inglaterra, que no começo do século XIX desbancou Portugal. Se sobrou iniqüidade e violência no processo de formação do Brasil, nunca nos faltou dinamismo econômico. A América portuguesa já era a maior produtora de açúcar do mundo em pleno século XVII, ainda nos primórdios do capitalismo.
No entanto, de todas as zonas do globo, a América do Sul é a área vital de nosso interesse, como o próprio Barão do Rio Branco, o fundador da moderna diplomacia brasileira, havia proposto. O Brasil, sozinho, representa em termos populacionais e territoriais, grosso modo, metade da América do Sul. Nosso PIB, não por coincidência, representa pouco mais de 50% da economia do subcontinente. Possuímos uma extensão territorial que nos garante fronteira com nove de nossos onze vizinhos.
A América do Sul é importante como consumidora de produtos industriais brasileiros, mas também como fornecedora de bens e serviços, e (dentro em breve) de trabalhadores. Países prósperos atraem pessoas e temos de estar prontos para isso, como já estivemos no passado, quando recebemos (entre 1880 e 1950) mais de 4,5 milhões de imigrantes. As plantas automobilistas argentinas e brasileiras já estão integradas. A Embraer tem parcerias com empresas argentinas e chilenas. Mas ainda falta muito, sobretudo em termos de integração física, econômica e cultural. Historicamente temos estado de costas para a América do Sul. Há mudanças em curso. Mas precisamos acelerar o movimento da história.
Por tudo isso, qualquer problema sul-americano é também um problema brasileiro. E não há qualquer possibilidade de integração cultural e econômica que não passe pelo Brasil, o que aumenta nossa responsabilidade com o continente. Temos de assumir nossa diferença cultural, linguística e histórica (para também respeitar a especificidade e diversidade alheia), bem como assumir nossa proximidade geográfica, cultural e emocional com o continente que nos hospeda.

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