segunda-feira, 28 de novembro de 2011

República de 1889

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Novembro 2010
A Abolição da Escravatura em 1888 e a Proclamação da República em 1889 compõem a mesma circunstância histórica. Representam a queda de nosso antigo regime – monárquico, escravocrata e latifundiário – e o nascimento da modernidade brasileira.
O Brasil, como se sabe, foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão. A ruptura com a instituição escravocrata foi operada no Parlamento, com ares de sofisticação, onde se cogitou a hipótese de indenizar os proprietários, em linha com o radicalismo conservador do andar de cima, sempre pronto para defender o direito à propriedade, o direito mais caro aos liberais brasileiros. Não se chegou a tanto. Mas a Abolição não previu aos libertos nem terra, nem escola, nem qualquer tipo de direito, senão o de simplesmente existir, como erva daninha.
A República – proclamada por militares, que à época não participavam dos círculos de elite – nasceu sem povo. Não houve conflito armado, nem derramamento de sangue, pelo menos não no dia 15 de novembro. Muitos militares, sobretudo os jovens oficiais da Escola Militar, liderados por Benjamim Constant, acalentavam expectativas jacobinas, reformadoras. Se essa era uma das alas da agitação liberal, a outra tinha seu epicentro político em São Paulo e foi liderada pelos proprietários paulistas.
Reunidos em convenção, na cidade paulista de Itu em 1873, os republicanos paulistas sequer mencionaram a abolição da escravatura, o que sugere o quão conservadora nasceria a República brasileira. Após dois presidentes militares, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, em 1894 o primeiro civil paulista assumiria o poder. A referida convenção de Itu havia ocorrido justamente na casa do então deputado Prudente de Morais.
Com a constituição de 1891, ficou estabelecido que o voto fosse "universal", como sugeria o figurino liberal. Mas estavam excluídas as mulheres, os analfabetos, os menores de 21 anos, os militares de baixa patente, as pessoas que não tivessem endereço fixo. O voto não era secreto. E o colégio eleitoral era formado por menos de 2,5% da população. Sérgio Buarque de Holanda dizia que o verdadeiro império dos fazendeiros (paulistas) foi na República Velha – um período oligárquico, patrício e profundamente conservador.
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Fala-se em "política do café com leite", em alusão aos acordos entre as elites paulista e mineira. A rigor, era uma política com muito café e pouco leite. A fração de classe que detinha o domínio político e econômico do país eram os cafeicultores do Sudeste (não havia essa expressão à época), espalhados pelos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e, no período correspondente à República Velha (1889-1930), principalmente no estado de São Paulo.
A oligarquia paulista, com seus sócios menores, governou o Brasil, quase sem contestação, até 1930, quando Getúlio Vargas assumiria o poder, representando, apesar dos pesares, um sopro de vida a oxigenar a República
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Não houve sangue no dia 15 de novembro, é verdade, mas não faltou violência a encharcar a República que os militares proclamaram e a elite cafeeira de São Paulo herdara. A Revolta da Armada, no Rio, em 1891, e a Revolução Federalista, no Sul, entre 1893-95 são apenas dois exemplos, entre muitos outros. No entanto, o verdadeiro batismo de sangue viria do sertão baiano, com a Guerra de Canudos, onde o exército republicano, representante do Brasil litorâneo, dito moderno, esmagaria os sertanejos, ditos jagunços e primitivos. No final da guerra, a República estava consolidada. E a consciência nacional estava perante um crime.
Antonio Conselheiro e seus seguidores, que erravam pelo Nordeste, em 1893 se instalaram, às margens do rio Vaza-Barris, nos arredores da Fazenda Canudos, no sertão da Bahia. A região, embora ocupada desde o século XVIII, era quase um vazio demográfico. O verdadeiro milagre do Conselheiro foi atrair homens e mulheres pobres de todos os lados. Em poucos anos, a aldeia de Canudos – ou Belo Monte, como seus moradores a rebatizaram – contava com 25 mil habitantes, ou seja, segunda mair concentração urbana da Bahia. Uma população colossal para a época. Seu advento deixou os fazendeiros da região, o governador da Bahia e a Igreja em pânico.
Não demorou e as escaramuças começaram. Depois de duas expedições derrotadas, Canudos tornou-se uma questão nacional. O governo federal, temendo pela integridade da República, face ao discurso monarquista do Conselheiro, resolve atuar. Ao coronel Antônio Moreira César, considerado pelos militares um herói, foi confiada a missão de liquidar os "fanáticos". A notícia da chegada de tropas à região atraiu para lá um grande número de pessoas, que partiam de várias áreas do Nordeste, imbuídas de uma missão: defender o Conselheiro. No dia 2 de março de 1897, depois de ter sofrido pesadas baixas, causadas pelos ataques relâmpagos dos "jagunços", um exército de 1.300 homens assaltou o arraial. Moreira César foi morto em combate e a expedição foi obrigada a retroceder em debandada.
No Rio e em São Paulo a repercussão foi intensa. Se atribuía ao Conselheiro a intenção de restaurar a Monarquia. Jornais monarquistas foram empastelados. O ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt em pessoa resolve preparar a quarta expedição, composta de duas colunas, ambas com mais de quatro mil soldados equipados com as mais modernas armas disponíveis à época. O arraial resistiu até 5 de outubro de 1897, quando morreram os quatro últimos e derradeiros defensores, depois de um massacre feroz. Canudos não se rendeu. Lutou até o esgotamento físico. O cadáver de Antônio Conselheiro, que havia morrido de morte natural poucos dias antes, foi exumado e levado a Salvador.
A República vencera! Enfim, o batismo de fogo legitimou os heróis republicanos. Os inimigos vencidos não foram os velhos Barões do Império. Nem ministros do Imperador. Nem senhores de terra e escravos. Mas homens e mulheres pobres, mestiços, caboclos, cabras, mulatos, sararás. Todos magros e fortes, rústicos e mestiços. O sertanejo era "antes de tudo um forte", "a rocha da nacionalidade", no falar de Euclides de Cunha.
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Assim começou a modernidade brasileira. Com a arrogância paulista e o sangue nordestino (não o da casa-grande, claro).

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