segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O nascimento de uma nação

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Setembro 2010


A Independência é o ato de fundação política do país. Não é possível falar em Brasil antes de 1822. A América portuguesa era um vasto território continental, dominados por elites locais e formações históricas singulares, onde não havia uma "identidade nacional", pois a própria ideia de nação, no sentido moderno da palavra, estava ainda em gestação inclusive na Europa. As nações não são "naturais", pois são criações políticas, submetidas, portanto, ao interesse e ao poder.
O Brasil tornou-se um Estado Nacional mediante um complexo processo político. Em 1822 a história e as identidades das mais diversas províncias eram muito diferentes. Não havia então uma consciência brasileira senão um vago nativismo, muitas vezes mais regional que "nacional". Evidentemente existiam vínculos históricos, culturais, religiosos e linguísticos entre as diversas regiões da América portuguesa, mas isso não era garantia de unidade política, como a história da América hispânica atesta. O verdadeiro enigma da Independência do Brasil foi a consolidação da unidade da América portuguesa, propiciada pelo modo como a Independência foi processada.
Em termos econômicos, a Independência ocorreu em 1808, quando D. João VI transferiu a capital do Império Português de Lisboa para o Rio de Janeiro, abrindo os portos brasileiros às nações amigas. A Inglaterra, antiga aliada de Portugal – havia auxiliado a transferência da Corte para o Rio – seria a maior beneficiária da ruptura do antigo sistema colonial, segundo o qual os "brasileiros" só podiam comprar e vender para os comerciantes portugueses – assim como os hispano-americanos só podiam comercializar com os espanhóis –, o que garantia às metrópoles ibéricas lucro fácil. Para alguns historiadores, o ano de 1808 foi mais importante do que 1822, pois estabeleceu mudanças econômicas portadoras de efetivos significados. A partir daquele momento, as elites agrárias brasileiras se livraram das antigas amarras coloniais e puderam fazer valer seus interesses.
A Independência brasileira foi única nas Américas, pois deu-se num contexto monárquico, também único no continente. Desde 1808 o Rio de Janeiro era sede de um Império transcontinental. Com a eclosão da Revolução Liberal do Porto – liderada pelos comerciantes que haviam perdido o privilégio no comércio com o Brasil – exigiu-se, entre outras demandas, o imediato retorno de D. João VI a Portugal e o estabelecimento de uma Monarquia constitucional, em que caberia ao parlamento um papel importante, o que implicaria, na prática, na imposição de limites ao poder real.Postura que contou com a simpatia de muitos brasileiros.
No entanto, o movimento também tentou restaurar, ao menos em parte, o antigo sistema colonial, o que feria os interesses da aristocracia rural brasileira, que sentiu-se duplamente ameaçada: de um lado temia a recolonização e, do outro, o surgimento de um movimento radical de independência, de cunho republicano e anti-escravocrata.
O retorno de D. João VI a Portugal, atendendo à exigência dos revoltosos, e a insistência para que o príncipe regente D. Pedro de Alcântara também voltasse, propiciou um contexto favorável a um concerto entre as elites rurais e os incipientes segmentos liberais e urbanos a solicitarem a permanência de D. Pedro no Brasil, numa clara afronta aos interesses de Lisboa. A partir daí os acontecimentos se precipitaram e o Brasil caminhou rapidamente para uma independência sui generis: o próprio filho do Rei de Portugal é aclamado Imperador do Brasil.
Proclamada a Independência, várias províncias do Norte e do Nordeste resistiram ao novo governo organizado em torno de D. Pedro I no Rio de Janeiro. Essas regiões contavam com tropas e comerciantes portugueses mais ligados a Lisboa do que ao Rio.
Na Bahia houve luta armada e as forças portuguesas foram derrotadas apenas em 1824, razão pela qual o estado ainda hoje comemora a Independência em dois de julho, data que marca a vitória dos baianos contra a Metrópole.
As províncias do Maranhão, Piauí e Grão-Pará estavam efetivamente mais conectadas a Portugal do que ao Sudeste do Brasil (que nesse momento se tornava a região economicamente mais dinâmica do país). Nessas regiões eclodiram rebeliões locais, mas comandadas por grupos de extração social superior. No entanto, os fazendeiros, ciosos de tomar o poder, temiam, no entanto, armar a raia miúda, o que comprometeria seus interesses. Exércitos europeus mercenários e a população local foram decisivos para vencer as resistências dos núcleos contrários à independência, que afinal não foram tão intensas, dada a natureza anti-revolucionária e monarquista da Independência.
A Independência do Brasil foi, ao mesmo tempo, uma grandeza e uma miséria. De um lado operou quase um milagre político: a manutenção da unidade nacional, sem a qual o país simplesmente não existiria. De outro, o Brasil nasceu como uma monarquia escravocrata e absolutista, a certidão de nascimento mais conservadora das Américas.
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Laurentino Gomes, autor de "1808", livro que narra a transferência da família real portuguesa ao Brasil, agora publica a continuação da história: "1822" (Editado pela Nova Fronteira).

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