segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Rio 2016

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Dezembro de 2009

Em 1941, Stefan Zweig – um judeu austríaco que havia conhecido o Rio em 1936 e escolhera a cidade para se refugiar do nazismo, quatro anos mais tarde – escreveu um livro pouco lido e muito citado: "Brasil - um país do futuro". Fugindo de uma Europa em guerra motivada por ódios raciais, Sweig deitou sobre o país um olhar simpático, quase inocente. A mistura étnica parece ter deixado nele uma forte e positiva impressão. O livro, na linha de outro, mais antigo – "Por que me ufano de meu país", escrito em 1900 por conde Afonso Celso – exalta a suposta (ou real?) tendência brasileira à tolerância.
Compreensível. Para quem fugia do nazismo, o dito caráter pacífico da população brasileira soou um oásis. Mais do que uma realidade exuberante, o autor viu uma possibilidade exuberante. O futuro realizaria a promessa de uma nova civilização, inclusive de prosperidade material. Contra essas leituras otimistas, a qual podemos somar a de Gilberto Freyre, temos muitas outras, críticas, severas até. Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes são apenas dois exemplos.
A expressão "país do futuro", que durante muito tempo foi motivo de chacota entre os brasileiros, volta à baila, muito mais na imprensa internacional do que na congênere brasileira. O espanhol ‘El País’, em 11 de outubro, cita o próprio Sweig e estampa a seguinte manchete – "Brasil va a por todas - Premiado con los Juegos de 2016 y convertido en potencia económica, el país asume el reto de erradicar la pobreza". Mais recentemente, a britânica ‘The Economist’, na edição de 12 de novembro, não deixa por menos - "Brazil takes off - Now the risk for Latin America’s big success story is hubris".
Exemplos como esses – otimistas, ainda que críticos – são facilmente encontrados na imprensa internacional.
Observemos que não são veículos de segunda linha, bem o contrário. O progressista ‘El País’ é um dos mais importantes jornais da Europa; já a ‘Economist’, uma revista de tendência liberal, é, provavelmente, a publicação semanal mais influente do mundo em termos políticos e econômicos. Entretanto, a imprensa brasileira prefere o lado sombrio do país. A crítica é importante, por certo, mas crítica da crítica também é. Eis os ganhos da liberdade.
A imprensa brasileira
As fontes canônicas da imprensa internacional, de inspiração liberal-conservadora, mas sérias e sofisticadas, não negam méritos ao governo Lula (‘The Economist’, ‘Financial Times’ – e boa parte da imprensa americana). O presidente Lula é desenhado como o ex-presidente do governo espanhol, Felipe Gonzalez, foi, na condição um estadista democrático, constitucional, progressista, com origem política na esquerda, mas modernizador e pragmático. Trata-se de uma visão um tanto simplificada, mas de modo algum desconectada da realidade.
Os grandes jornais europeus – de linha editorial mais progressista, como ‘El País’ e ‘Le Monde’ – aplaudem Lula desbragadamente. O ‘Guardian’ é menos entusiasta, em função de seu compromisso verde, mas ainda assim apresenta uma imagem bastante positiva de Lula e seu governo. Essa imagem deixa a imprensa brasileira desnorteada, solitária, "abandonada" na sua permanente tentativa de deslegitimação do governo. Os grandes jornais e revistas da periferia – como ‘O Globo’, ‘Estadão’, ‘Folha’, ‘Veja’ – têm sido mais ortodoxos que seus pares internacionais (‘The Economist’, ‘Financial Times’, ‘The New York Times’, etc). Eles têm sido mais católicos que o Papa.
Trata-se uma opção pela politização do jornalismo, com vagas de sensacionalismo e moralismo, quando o país precisa de análise, crítica e pluralismo. Muitas pessoas ilustradas têm percebido o equívoco. Não se está a falar de intelectuais petistas, como Marilena Chauí ou Emir Sader, tradicionais críticos da imprensa, mas nomes "insuspeitos", como Delfim Netto, Bresser Pereira, Mendonça de Barros, Adib Jatene, etc. Gente que começa a contestar a sanha anti-lulista da imprensa brasileira. Não se trata de uma defesa de um presidente poderoso e popular que, aliás, deve conviver com a crítica, mas cobrar da imprensa brasileira jornalismo de qualidade, pluralista, aberto, analítico, capaz de abarcar a diversidade política, social e regional de um país imensamente complexo.
A imprensa brasileira vive seu pior momento, só comparável com a cumplicidade com udenismo das décadas de 50 e 60, que culminou no golpe de março de 1964. A imprensa, lamentavelmente, perde relevância, perde credibilidade, perde a condição de mediadora do debate público, o que é péssimo para o país e, paradoxalmente, bom para o governo. Afinal, todo e qualquer governo prefere uma imprensa enfraquecida.
Ironia do destino
A história é irônica. Quando Lula, o "tosco", renunciou à tentação do terceiro mandato, deu um passo decisivo rumo à consolidação constitucional e democrática. Já a imprensa (que havia apoiado a ditadura, mas também ajudado a derrubá-la – caso da ‘Folha’), simplesmente não tem estado à altura do momento histórico pelo qual o país passa. Sabemos do comportamento da ‘Folha de S. Paulo’ no caso Daniel Dantas. No ápice do questionamento ao grupo Opportunity – acusado de suborno a Justiça, sonegação fiscal e evasão de divisas – a ‘Folha’ resolveu atacar a Polícia Federal, tirando o empresário de foco, preferindo questionar o investigador ao investigado.
E o que falar da ‘Veja’ nesse mesmo episódio?! A imprensa é valente com o governo federal, com as ONGs, com o MST, com os sindicatos, com o PT, com os professores da rede pública. E está certa. Todos devem ser questionados. O problema é que a mesma imprensa é mansa com o mercado e os mercadistas, com os governos estaduais, especialmente de São Paulo, com Daniel Dantas, com Gilmar Mendes, com o PSDB, com os ruralistas. Os excessos anti-democráticos do MST e os crimes vinculados aos ruralistas, apenas para dar um exemplo, devem igualmente ser escrutinados por uma imprensa que se propõe livre e pluralista. Não é o que vemos.
Qualquer democracia moderna exige uma imprensa livre, pluralista, sofisticada, que não seja chapa-branca, nem em relação ao Estado, nem ao mercado. Uma imprensa aberta e democrática vigia tanto os negócios públicos quanto os interesses privados, numa dupla articulação em defesa do interesse público, consciente que o próprio público é – objetiva e subjetivamente – plural e diverso.
A imprensa brasileira tem sido irresponsável e classista. Escandalizou-se – justificadamente – com crise área, solidarizando-se com o sofrimento de milhares de pessoas nos aeroportos, mas jamais se escandalizou, nem se solidarizou com o sofrimento de milhões de brasileiros pobres dentro dos ônibus urbanos. Como vamos construir uma democracia sólida – o que demanda um mínimo de justiça social – com uma imprensa como essa? A constituição garante a total liberdade de expressão. E faz bem em garantir. Mas não se pode mentir ao tentar convencer os leitores que é "apartidária", com diz o manual de redação da ‘Folha de S. Paulo’, quando as páginas do jornal e o gerenciamento dos colunistas desmentem flagrantemente a assertiva.
É preciso defender o ideal de uma imprensa livre e pluralista contra as empresas de imprensa. Empresas fortes, financeiramente saudáveis e técnica e humanamente aparelhadas são importantes para execução do jornalismo independente, mas elas não podem sequestrar a bandeira da liberdade de expressão, como se fossem suas proprietárias. A liberdade de expressão é uma conquista da civilização moderna, e não pertence aos Marinhos, aos Frias, aos Mesquitas, aos Civitas, mas a toda sociedade.



Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Novembro 2010
A escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos foi uma conquista do Brasil, não obstante encerre riscos e perigos. Escolhas de eventos dessa natureza são sempre políticas; - embora necessitem de amparo técnico - sinalizam tendências internacionais. Não é à toa que os últimos Jogos foram em Pequim, o que ocorreu justamente no período mais próspero da história moderna da China. A escolha do Rio para sediar as Olimpíadas de 2016 demonstrou que o país subiu alguns degraus na escala de prestígio. Não se trata de um fato isolado. A decisão do Comitê Olímpico Internacional é a cereja do bolo.
Nos últimos anos, o Brasil se tornou um jogador de primeiro nível nos fóruns de política internacional, como atesta o prestígio do país na Rodada Doha, no G-20 e na ONU. As agências internacionais de risco concederam ao Brasil o título de "Investment Grade", o que sinaliza a confiança na economia brasileira concedida por instituições que evocam os princípios e os interesses do mercado internacional. Trata-se de gente que não rasga dinheiro. No plano interno, a economia cresce como há muito não se via, com um diferencial dos mais relevantes: cresce distribuindo renda. Razão pela qual uma legião de brasileiros tem ingressado na baixa classe média, experimentando o gosto da cidadania e do consumo, ainda que limitadamente.
Empresas brasileiras fazem grandes aquisições internacionais, como a Vale (a maior produtora de ferro do mundo e segunda maior mineradora do planeta) ou a Friboi (a maior processadora de carne bovina do mundo). O Pré-sal - que poderá transformar o país um grande exportador de petróleo - e as potencialidades da agricultura - que já tornaram o país um dos celeiros do mundo - sinalizam para uma era de prosperidade, que pode se concretizar ou não, mas as condições estão dadas. Ainda no plano interno, há uma democracia com razoável grau de sofisticação institucional. (No Brasil, Lula mantém a Constituição, recusando a tentação continuista, enquanto na Venezuela e na Colômbia vemos Chavez, à esquerda, e Uribe, à direita, buscarem terceiros mandatos, o que remonta ao velho caudilhismo latino-americano).
Portanto, a escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016 (como havia sido o caso da escolha de Pequim 2008) sinaliza um processo muito mais amplo, do qual muitos brasileiros não se deram conta, por má informação, preconceito ou o velho complexo de vira-lata, que muitos insistem em não abandonar (e às vezes consubstancia-se no seu oposto, um ufanismo tolo).
Oportunidades e desafios
O Rio de Janeiro venceu uma batalha das mais relevantes. O impacto na cidade, talvez, só possa ser comparado à vinda de D. João VI, que transformou a provinciana cidadezinha colonial na capital de um Império transcontinental. Mas resta outra: organizar os Jogos e, sobretudo, reorganizar a vida urbana, transformando os investimentos olímpicos em benefício à cidade, de modo a adensar a vida econômica e reduzir a pobreza e a violência.
É preciso reconhecer que o Rio foi escolhido apesar da violência, da infraestrutura precária, da rede hoteleira insuficiente, da poluição, do trânsito caótico, das favelas. Eis uma excelente oportunidade para o Brasil experimentar coletivamente novos conceitos, valores melhores e uma nova mentalidade, mais ambiciosa, de enfrentamento das nossas mazelas históricas, da cultura da corrupção ao ciclo vicioso da desigualdade e da pobreza.
Os possíveis ganhos nos níveis do emprego, na cultura, na segurança, na educação, em infraestrutura urbana são potencialmente enormes, como a experiência de Barcelona (Olimpíadas 1992) ensina. Mas também são conhecidos os riscos. Por isso, se os bilhões a serem investidos forem capazes de gerar desenvolvimento, principalmente para os segmentos mais necessitados de políticas públicas de inclusão social, os Jogos terão cumprido seu papel e nós, os brasileiros, teremos consolidado uma nova era em nossa existência histórica.
Se, no entanto, criarmos elefantes brancos, a custos altíssimos, com poucos benefícios públicos, construídos antes para satisfazer os interesses das construtoras e a rede de corrupção pública e privada envolvidos, os Jogos nada mais serão do que a atualização do passado vicioso. Mas se recusássemos a oportunidade, em nome desse passado, estaríamos atualizando a pequenez e a covardia desse mesmo passado, de um país que se fez pequeno. É hora de pensar grande. Outro país precisa de outro Rio de Janeiro. Mais largo, mais generoso, mais igualitário e mais próspero... e tão brasileiro quanto!

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