segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A voz e o silêncio do ambientalismo urbano

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Julho 2011

Nos dias 4 e 5 de junho aconteceu, em São Paulo, a Virada Sustentável 2011. Não faltaram exposições, filmes, oficinas, workshops, peças e shows de música, todos eles ligados ao princípio da sustentabilidade. No evento, certamente bem-vindo, sobraram críticas à construção da usina de Belo Monte, na Amazônia, e falou-se relativamente pouco sobre mobilidade urbana. Essa tônica se repete entre a classe média urbana com sensibilidades verdes.
É espantoso que se confira infinitamente maior importância à construção de uma usina na Amazônia, com alguns milhares de afetados, do que ao desastre urbano das grandes cidades brasileiras, infestadas de carros, o que afeta milhões de pessoas, especialmente os mais pobres, que padecem horas em ônibus, trens e metrôs lotados.
Muitos dos militantes verdes que dedicam parte do seu tempo e da sua energia à valorosa causa ecológica são, no fundo, conservadores, por isso preferem pensar na Amazônia e não na cidade onde vivem, inclusive porque, todos sabem, para tornar a vida urbana mais civilizada, mais democrática, mais limpa e mais igualitária é necessário restringir o uso dos carros, como acontece em Londres, por exemplo.
Muitos desses paulistanos, no entanto, não cogitam a vida sem carro, heavy users dessas máquinas mortíferas, poluentes, espaçosas e anti-democráticas. Pensar na Amazônia, vivendo em grandes cidades, é bacana, simpático e sai barato. O ruído sobre o quintal (e o gosto) dos outros, não raro, serve para abafar o silêncio acerca do nosso próprio quadrado. De fato, pensar na vida da cidade dá mais trabalho, implica em coerência, com seus custos. Então todos contra Belo Monte! E todo mundo de carro novo!
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O dramaturgo italiano Luigi Pirandello afirmava que os carros foram inventados pelo diabo. As melhores cidades do mundo para se viver são aquelas em que imperam políticas urbanas baseadas em sistema público de transporte e no constrangimento das soluções privadas de transporte.
O uso predominante dos automóveis nas cidades é um fenômeno mundial, mas enquanto na Europa existem políticas públicas pró-sistemas coletivos e anti-soluções privadas motorizadas, nas cidades brasileiras o fenômeno tem se agravado, porque cada vez mais pessoas compram carros. E se compram, é porque têm renda para tanto, o que é excelente. Mas urge civilizar nossa cultura, na qual um indivíduo sem carro sente-se amputado. Prova da pertinência da definição de Pirandello é a brutal quantidade de mortes no trânsito. Caro leitor: quantas pessoas você conhece que morreram dentro de um carro?
Algumas pessoas, atravessadas por um feroz compromisso com os carros, argumentam que o problema não é o excesso de automóveis, mas a exígua infraestrutura viária. Mas caro amigo, é justo gastar mais dinheiro público em pontes, túneis, avenidas e viadutos com as demandas de educação e saúde pública que temos? E nossos verdes urbanos preocupados com a Amazônia!
Segundo o Ministério das Cidades, o transporte individual, ou seja, o carro, geralmente com um ou dois ocupantes, é responsável por 74% do consumo de energia e por 80% da emissão de poluentes nocivos à saúde humana e à natureza. Em cidades como São Paulo, os veículos são responsáveis pela emissão de 84% dos poluentes atmosféricos, segundo cálculos do Banco Mundial. Isso é um escândalo que devia mobilizar as pessoas em geral e enfurecer os militantes verdes. No entanto, no Brasil das grandes cidades, não tenho notícias de mobilizações massivas contra o uso abusivo dos carros, mas os jornais sempre noticiam manifestações, urbanas (!), contra Belo Monte! Já em Altamira, a maior parte da população é favor da usina.
A ditadura do automóvel privatiza os espaços das cidades. Sobra pouco lugar para as pessoas, para os ônibus, para as bicicletas, para as árvores, para os gramados. Tudo vira asfalto, impermeabilizando o solo, agravando o problema das enchentes, que prejudicam os mais pobres, sobretudo na periferia das cidades (onde vivem milhões e os verdes urbanos muito mais preocupados com os milhares de desabrigados de Belo Monte, que evidentemente merecem solidariedade e justiça). O mundo dos carros é uma tragédia ainda maior para os que não o possuem, o que agrava a perversidade dessa lógica. Mas nossos moços de classe média estão mesmo indignados com Belo Monte. Lá longe. O que apazigua a consciência e dá impressão de modernidade – a custo zero. Convenhamos, se opor aos carros dá algum trabalho, se quisermos ser minimamente coerentes.
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Observe o leitor que não se está a propor a proibição dos automóveis. O horizonte sugerido é um mundo menos dependente, cultural e concretamente, dessas máquinas poderosas e encantadoras.
Reduzir o uso de veículos particulares é um desafio urgentíssimo, o que é uma operação política complexa, pois não há como enfrentar o dilema sem aplicar duas medidas drásticas: aumentar os impostos sobre o uso dos carros no ambiente urbano e destinar uma faixa das grandes avenidas exclusivamente para os ônibus, o que, evidentemente, agravaria o trânsito para quem anda pela avenida de carro, mas facilitaria para quem vai de ônibus.
Outra iniciativa seria criar ciclovias e estacionamento para as bicicletas em massa, reduzindo ainda mais o espaço dos automóveis. O uso da bicicleta é bom para a saúde e para a beleza, para o meio ambiente e para o bolso. Outra coisa: as avenidas devem ser mais estreitas e os canteiros mais largos. Precisamos de árvores e flores. No entanto, nossos verdes urbanos estão preocupados com a Amazônia!
Preservar as selvas equatoriais é, naturalmente, importante, mas existem na Amazônia milhões de pessoas que se preocupam com a Amazônia, com o benefício da experiência. Os jovens urbanos de classe média poderiam ser mais radicais, com um pouco da rebeldia e da irreverência de outrora, e pensarem no quintal de suas casas, as cidades, e no modo de vida de seus pais e no deles próprios. As manifestações pró-descriminalização da maconha, que pipocam país afora, bem que poderiam agregar uma bandeira mais radical, mais abrangente, mais larga de espírito e de conseqüência: busão pra todo mundo!

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