segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Brasil, cresce!

Alberto Luiz Schneider
Artigo originalmente publicado na Revista Real. Outubro 2011

Sob certos aspectos, o Brasil evoluiu de forma notável, desde a Constituição de 1988, quando a democracia deitou raízes no solo cultural, político, econômico e social brasileiro. Mas sob outros, continuamos uma sociedade primitiva e rudimentar. O leitor que acompanha as colunas desse espaço sabe que o articulista não compartilha do "complexo vira-lata" (Nelson Rodrigues), segundo o qual o Brasil e os brasileiros são sempre o que há de pior no mundo. Sabem também que a coluna não compartilha de outra chaga psico-social: o "mal de Nabuco" (Mário de Andrade), preceito segundo o qual a Europa e sua civilização são sempre deslumbrantes. Nem uma coisa, nem outra. Mas, não se pode negar, que em certos aspectos o Brasil dói.
Imposto
Os estratos mais ricos da sociedade brasileira raivosamente discursam contra os impostos (O Tea Party, nos Estados Unidos, também). Dizem eles: "nós", a sociedade, precisa se proteger do Estado. Ok! Mas – os mesmo setores, as mesmas pessoas – não sentem a mesma raiva da "escola pública", onde os seus filhos não estudam. Essa gente bacana, branca e bem nutrida não sente a mesma raiva do hospital público. Até reclamam da saúde e da educação, assim como reclamam do calor. "Nossa! esquentou hein!!" Raiva mesmo é dos impostos. Porém, vejamos.
Nossa carga tributária está por volta de 35% do PIB – o que é relativamente alta, mais alta que países similares, como México ou Argentina, e similar ao Reino Unido. Mas, dirão os brasileiros, "os serviços são ruins". Sim, são ruins. Mas os impostos britânicos incidem sobre uma renda per capita três vezes maior que a brasileira. Isso significa que, mesmo tendo uma carga tributária similar, em termos reais (per capita), o valor arrecadado, no Brasil, é evidentemente menor. Do mesmo modo que uma carga tributário dos mesmos 35%, na Etiópia, será ainda menor.
Em média, os países mais desenvolvidos gastam 6,5% do PIB em saúde. Nós gastamos 3,6%. Há, sim, má gestão e corrupção. O que, obviamente, faz mal ao país. Mas achar que resolvendo os problemas de gestão e corrupção, os problemas da saúde estarão "naturalmente" resolvidos é, simplesmente, burrice (ou canalhice).
A derrota da CPMF no Congresso fez mal ao país. O chamado imposto do cheque pega todo mundo, inclusive o mercado financeiro, os rentistas, os especuladores, enfim, a pátria financeira. Não estou a dizer que o país não poderia baixar impostos, mas não esse. Dever-se-ia ter cortado impostos que incidem sobre o consumo popular e sobre a indústria, que gera empregos. A derrota da CPMF foi uma vitória dos bancos, dos grandes investidores, do mercado financeiro.
O sistema tributário brasileiro é ruim, tão ruim, que os pobres pagam mais impostos que os ricos, por uma razão simples: boa parte da carga tributária incide sobre produtos de consumo. Os pobres gastam quase tudo que ganham (pois ganham pouco), já os mais ricos investem uma parte dos seus ganhos em propriedades ou investimentos financeiros, cujos impostos são baixíssimos.
O país precisa de mais impostos sobre as grandes rendas e a propriedade e menos impostos no consumo de produtos básicos. Outra coisa: é preciso diminuir os impostos sobre empresas que produzem riqueza e geram muitos empregos, como a indústria. E aumentar os impostos sobre o agro-negócio, que geram muita riqueza, mas relativamente poucos empregos. Isso é mais importante do que a CPMF. Mas isso ninguém fala, não ecoa na imprensa, não dá na Veja!
O Paraguai tem a menor carga tributária da América do Sul. O estado é raquítico. A educação e a saúde são paupérrimas. Não há pesquisa em tecnologia. Não tem investimentos de monta em universidades. Não há infraestrutura, etc. A Suécia e a Noruega têm, ao contrário, as maiores cargas tributárias do mundo e, claro, os melhores serviços públicos. A saúde e a educação são inteiramente públicas. Só cortar impostos é assumir o Paraguai como projeto. É, portanto, necessário elevar o nível do debate político sobre o sistema tributário, terreno onde grassa a ignorância e a má-fé.
Verdade
Está para ser votado no Congresso Nacional o projeto para a constituição de uma Comissão da Verdade. O que poderia ser motivo de contentamento, para quem está preocupado com legado da ditadura militar e com os crimes contra a humanidade cometidos pelo Estado à época, é, no entanto, motivo de constrangimento. Países como Argentina, Uruguai e Chile acertaram contas com a ditadura. Ninguém está propondo revanche, nem vingança, mas o país tem direito a conhecer a sua história. As próximas gerações precisam saber que o Estado torturou e assassinou, de modo ilegal e clandestino. Não interessa se culpados ou inocentes. O fato é que o Estado não pode torturar e matar nos subterrâneos, nem ladrão de galinha, nem guerrilheiro. Muito menos torturar e matar por crime de opinião. Pode julgar e condenar na forma da lei, oferecendo direito a defesa, segundo padrões de civilidade consagrados pela valores civilizatórios alcançados. O país também precisa saber que empresas privadas participaram do empreendimento. Ajudaram a ditadura e financiaram os crimes do Estado. A verdade histórica basta!

3 comentários:

  1. PARABÉNS ALBERTO , GOSTO MUITO DOS SEUS COMENTÁRIOS, E SEUS ARTIGOS, E OBRIGADO PELO GRANDE INTELECTUAL E MESTRE QUE VOCÊ É ........

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  2. SALVE SCHNEIDER. Falar que suas palavras são pertinentes seria chover no molhado. Para não virar "pagação", vou parar por aqui.

    Parabéns pelo profissional que é.

    Evandro Amaral Fernandes
    História Incomum
    http://ahistoriaincomum.blogspot.com/2011/03/procura-da-ideologia-perfeita_15.html

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  3. Alberto seu texto é uma luz iluminando a ignorância (a minha principalmente). Infelizmente a grande maioria da população esta tão comprometida em garantir a sobrevivência e nas horas vagas exorcizar a frustração, que não tem acesso a essas informações que fariam toda a diferença. Infelizmente a maioria da população é apenas gado.
    gosto de escrever apesar de ter pouco tempo. Escrevo insanidades que me veem a cabeça http://cabecainsana.blogspot.com/

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